Leis e Mecanismos de Incentivo à Cultura como Ferramentas de Soft Power

Maio 11, 2023

O poder de um país não se limita apenas à sua força militar e econômica, mas também à sua capacidade de influenciar outros países e populações através de meios mais sutis e pacíficos. Esse tipo de influência é conhecido como “soft power” (ou poder brando), um conceito desenvolvido pelo cientista político Joseph Nye. O soft power é exercido através da difusão da cultura e valores de um país e pode ser reforçado por meio de políticas culturais domésticas, como leis e mecanismos de incentivo à cultura.

O conceito de soft power destaca a importância dos aspectos culturais, ideológicos e diplomáticos na projeção de poder e influência de um país, permitindo que um país alcance seus objetivos internacionais de forma mais sutil e menos coercitiva do que o hard power (poder militar e econômico). A cultura desempenha papel fundamental nesse processo, pois é através dela que os valores, tradições e símbolos de um país são transmitidos e compartilhados com o resto do mundo. A eficiência do soft power é que ditará o grau de absorção e incorporação da cultura alienígena em determinado país ou povo.

Para que um país possa utilizar sua cultura como uma ferramenta de soft power, principalmente uma economia emergente como a nossa, é crucial que haja um ambiente propício ao desenvolvimento e à promoção da cultura internamente, o que é viabilizado por leis e mecanismos de incentivo à cultura, que obviamente promovem a construção de um cenário cultural rico e diversificado.

Esses mecanismos podem assumir várias formas, como subsídios governamentais, isenções fiscais, financiamento coletivo e parcerias público-privadas. O objetivo dessas políticas é estimular a criação artística, a preservação do patrimônio histórico e cultural e a difusão da cultura local e nacional. Além disso, essas leis e mecanismos podem incentivar o intercâmbio cultural com outros países, promovendo a diversidade e o diálogo entre diferentes culturas.

Existem diversos exemplos de leis e mecanismos de incentivo à cultura ao redor do mundo. Na França há o Centre National du Cinéma et de l’image Animée (CNC), uma instituição governamental responsável por apoiar a produção e a distribuição de filmes e conteúdo audiovisual. O CNC oferece subsídios e incentivos fiscais para produtores e distribuidores, inclusive internacionais, através de coproduções, contribuindo para a vitalidade e diversidade da indústria cinematográfica francesa, que é reconhecida e admirada mundialmente.

Nos Estados Unidos, o National Endowment for the Arts (NEA) e o National Endowment for the Humanities (NEH) são agências federais que concedem subsídios e apoio financeiro a projetos artísticos, culturais e educacionais em todo o país. Essas instituições ajudam a promover a rica diversidade cultural dos EUA e a preservar seu patrimônio histórico e artístico.

No Brasil, a Lei Rouanet e a Lei do Audiovisual são as principais políticas nacionais de incentivo à cultura, permitindo que empresas e indivíduos destinem parte de seus tributos a projetos culturais.

No entanto, de se reconhecer o obscurantismo preconceituoso que pode até perigosamente desestimular a aplicação dessas ferramentas de soft power. Embora não seja o objetivo deste texto, há que se jogar luz nessa escuridão. Não é o artista que se beneficia das leis de incentivo à cultura, mas toda a nação: desde o público carente por cultura, especialmente fora do eixo sudestino, até o povo brasileiro, cuja identidade cultural diversa e rica fica fortalecida, preservada e difundida internacionalmente, especialmente no caso do audiovisual. Quem gostaria de ver o primeiro Oscar brasileiro?

Ao apoiar e investir na cultura, um país pode projetar uma imagem positiva e atraente de si mesmo para o resto do mundo. Inegavelmente, a cultura – e sua personificação nas artes – possui a capacidade de atrair e persuadir outras nações e populações. Quando um país promove sua cultura de forma eficiente e atraente, ele pode influenciar a opinião pública global e criar uma imagem positiva no cenário internacional. Isso pode gerar benefícios em várias áreas, como política externa, comércio, turismo e cooperação científica e tecnológica, propiciando um belo ciclo virtuoso de sinergia econômica.

Provavelmente o modelo mais eficiente de soft power seja o norte-americano, cuja cultura do american way of life foi propagada mundo afora, de forma extremamente eficiente, diga-se, através do audiovisual hollywoodiano, da música (sobretudo rock, blues, funk e pop), livros, jornais, revistas, quadrinhos e demais itens da cultura pop. Difícil mensurar o impacto econômico para a nação estadunidense, mas impossível negar o potente impulsionamento à difusão da liberdade e do consumo inerentes ao american way of life.

Ainda sobre a indústria cinematográfica de Hollywood, importante destacar que esta é apoiada por políticas e subsídios dos EUA e tem sido uma das principais fontes de soft power americano, disseminando valores e ideias globalmente. Da mesma forma, a cultura francesa, com seu apoio à produção cinematográfica, moda e gastronomia, tem sido vista como símbolo de sofisticação e elegância, aumentando a reputação e a influência da França no exterior.

Essas políticas também podem promover o intercâmbio cultural e a cooperação entre países, criando vínculos e parcerias que fortalecem a influência mútua e o entendimento. Por exemplo, programas de residências artísticas e bolsas de estudo para artistas e estudantes estrangeiros podem facilitar a troca de ideias e experiências culturais, enriquecendo a cena artística local e promovendo uma maior compreensão entre diferentes culturas.

Além do preconceito, já citado acima, outro desafio que precisamos enfrentar no uso da cultura e seus mecanismos de fomento como ferramentas de soft power é a sensibilidade e respeito às diferenças culturais. Embora possa parecer contraditório ao conceito do soft power, a promoção da própria cultura não deve ser vista como uma imposição cultural ou instrumento de dominação para sobrepujar outras culturas, mas sim como um convite ao diálogo e ao enriquecimento mútuo.

Em última análise, leis e mecanismos de incentivo à cultura, quando aplicados de forma eficaz e inclusiva, podem fortalecer a posição de um país no cenário internacional e contribuir para a construção de um mundo mais conectado e diversificado. Ao valorizar e investir em sua cultura, os países não só promovem o bem-estar e a identidade de seus próprios cidadãos, mas também geram oportunidades para compartilhar suas tradições, valores e realizações com o resto do mundo, estabelecendo-se como atores influentes e respeitados no palco global.

 

Leandro Armani

 

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