SOBRE O PLÁGIO
nov 24, 2022
Repercutiu na imprensa que uma quadrinista brasileira acusou a plataforma de streaming pioneira de ter plagiado sua HQ em obra audiovisual seriada ficcional alemã. Segundo consta, há cenas e aspectos de enredo presentes em seu trabalho publicado em 2016 que, nos dizeres da quadrinista, estariam identicamente presentes na série televisiva.
Justifica a autora brasileira que expôs seu trabalho na Feira do Livro de Gotemburgo em 2017, inferindo que a partir de tal evento os criadores da série tiveram acesso ao conteúdo supostamente plagiado.
Não estamos nos propondo a examinar o caso concreto por razões óbvias, mas somente utilizá-lo como gancho para tratar do tema controverso.
A Lei de Direitos Autorais (9.610/98) estabelece o critério de originalidade como requisito essencial à obra autoral, que podemos definir como sendo o conjunto de componentes que tornam a obra individualizada, ou seja, revestida de traços, signos e caracterizadores próprios que sejam distintos de outros já preexistentes.
Entretanto, deve ser relativizada a originalidade de uma obra nova, porque a novidade total acaba sendo virtualmente impossível na maioria dos casos. Impossível não ocorrer um proveito, consciente ou não, do conjunto de bens culturais existentes no mundo, especialmente sob a perspectiva da globalização.
Para esgotamento do assunto seriam necessárias centenas de páginas de estudo científico, que não é nosso objetivo neste breve artigo. Colocando em perspectiva objetiva, “plágio” ou “pirataria” sequer são termos técnicos, pois não encontram paralelo na legislação autoral ou industrial (9.279/96), portanto pois a LDA define a contrafação como “a reprodução não autorizada (de uma obra)”, estabelecendo como hipótese normativa a reprodução com fraude, ou seja, qualquer reprodução parcial ou integral de obra autoral sem a prévia e expressa autorização do autor (art. 29).
Ocorre que o chamado exercício do direito de reprodução, faculdade privativa do autor da obra a ser reproduzida, tanto quanto os Direitos Autorais em geral, sofrem as limitações legais do art. 46 visando à relativização abordada anteriormente. O polêmico texto suscita apaixonadas discussões acadêmicas e jurisprudenciais, especialmente seu inciso VIII, que vale reproduzir:
“(Não constitui ofensa aos direitos autorais) a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.”
Em geral, nossa jurisprudência tem se mostrado refratária ao reconhecimento de limites à proteção autoral, sendo predominante que o proveito econômico afasta a aplicação da limitação autoral, ensejando a regra geral que impõe a prévia e expressa autorização do autor para uso de sua obra.
Obviamente que é questão anterior a suficiente semelhança entre duas obras a ponto de ser decidido se, afinal, ocorreu ou não o plágio (contrafação). Neste ponto, mostra-se corrente jurisprudencial majoritária a necessidade de comprovar-se que o plagiador (contrafator) teve contato com a obra plagiada. Noutras palavras, os Tribunais exigem a comprovação do dolo ou má fé.
Além disso, até que ponto pode ser considerado plágio a “coincidência” de determinada arte, cena ou elemento comum em duas obras?
Para aquecer a discussão, de se notar a decisão proferida em 20.09.2022 pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.561.033, no sentido de que a idealização de um formato gráfico para apresentação de resultados de buscas na internet não se insere no conceito de obra autoral para fins de aplicação da LDA e caracterização de plágio.
Importante observar que o litígio não foi resolvido apenas mediante aplicação das normas autoralistas, mas também em relação ao uso industrial ou comercial, atraindo a aplicação da Lei de Propriedade Industrial, que exige o registro prévio para a proteção industrial.
Ainda sob o viés industrial, interessante cotejar também que a LPI introduz em nosso sistema jurídico a concorrência desleal, que carrega o look and feel e trade dress como ferramentas de combate à fraude. Portanto, o conjunto-imagem do produto, revelado na forma de se apresentar e/ou na experiência do usuário, deve causar suficiente confusão no público consumidor e/ou um desvio de clientela para configurar o aproveitamento parasitário.
Como se vê, não há “receita de bolo” para definição e aplicação de conceitos de propriedade intelectual, pois o exame deve realmente ser casuístico, amplo e profundo, mediante análise extensiva das normas positivadas conjuntamente com a doutrina e jurisprudência.
Por: Leandro Armani
0 comentários